Clara de BH (Lindo texto de Fabricio Carpinejar)
Clarinha, você morreu dormindo, próxima dos seus 80 anos, com a mão de Deus estendida em sua testa, bandana fria e reconfortante. Estava linda, o corpo diáfano e solar, o rosto leonino, ainda procurando não esquecer os brincos prediletos antes de conhecer o paraíso.
Viajou num suspiro, não num gemido. A leucemia lhe levou em uma semana, mas não levou a sua leveza. Você ria mesmo com o tubo de oxigênio, você colocava adesivos na mesinha mesmo depois de uma sessão de quimioterapia, você transformou o quarto em varanda de amigos. Pedia que passasse numa padaria para trazer salgados para as visitas. Sempre preocupada com as visitas, como toda mineira, preocupada em pôr a mesa da gentileza. Cumprimentava os desesperados pelo sobrenome; os mendigos, pelo nome; os anjos, pelo apelido.
Foi se despedindo de um por um: da filha Beatriz que abaixava a cabeça em seu avental para você mergulhar os dedos finos nos cachos dourados, neste colo imaginário que existe entre mãe e filha desde o ventre, ou do ex-marido que fez massagem em seus pés. Não poderia haver maior cena de amor do que um ex se aproximar do leito de um hospital, recusar a solenidade da doença e massagear os pés da mãe de sua filha antes dela morrer, como agradecimento humilde ao tamanho do que viveram juntos.
Você foi inesquecível dentro da sutileza: a pureza enamorada da fé. Jamais quis receber qualquer coisa para ser catequista. Seu coração era uma capela.
Fabricio Carpinejar