Perdendo o brilho
Era uma vez uma navalha de excelente qualidade, que morava numa barbearia.
Certo dia em que a loja estava vazia, ela resolveu dar uma voltinha. Soltou-se do cabo e saiu para apreciar o lindo dia de primavera.
Quando a navalha viu o reflexo do sol em si mesma, ficou surpresa e encantada.
A lâmina de aço lançava uma luz tão brilhante que, subitamente, com excessivo orgulho, ela decidiu:
“Eu não vou voltar para aquela loja de onde acabei de fugir. É claro que não! Deus não pode querer que uma beleza tal como a minha seja desonrada dessa maneira.
Seria loucura ficar aqui cortando as barbas ensaboadas daqueles camponeses, repetindo sem cessar a mesma tarefa mecânica!
Será que minha beleza foi realmente feita para um trabalho desses? Certamente não! Vou me esconder num local secreto e passar o resto da vida em paz.”
Em seguida foi procurar um esconderijo onde ninguém a visse.
Passaram-se meses. Um dia, a navalha teve vontade de respirar ar fresco. Saiu cautelosamente de seu refúgio e olhou para si mesma.
Deu-se conta de que algo terrível lhe acontecera. A lâmina estava horrorosa, parecendo uma serra enferrujada, e não refletia mais a luz do sol.
Ficou muito arrependida pelo que havia feito, e lamentou amargamente a irreparável perda.
“Como teria sido melhor se eu tivesse conservado em forma a minha linda lâmina, cortando barbas ensaboadas! Minha superfície teria permanecido brilhante e minha borda afiada!
Agora, aqui estou eu, toda corroída e coberta de uma horrível ferrugem! E não há nada a fazer!”
* * *
O triste fim da navalha é o mesmo que nos pode suceder quando nos permitimos a preguiça, quando deixamos de utilizar nossos talentos.
Talento não utilizado se embrutece, se perde.
Admiramos os bailarinos, em suas performances impecáveis. No entanto, não podem se permitir o abandono dos treinos diários, dos exercícios continuados.
De igual forma, os acrobatas, os ginastas.
Se relaxarem, logo perderão a elasticidade dos músculos, a plasticidade dos movimentos.
Assim também quem escreve, se deixa de fazê-lo, perde a leveza da forma, a possibilidade mágica de juntar letras e criar poesia, compor romances.
Se desatendemos do estudo, nossa capacidade de raciocínio declina.
Isso quer dizer que quanto mais lemos, pesquisamos, mais aprimoramos nossa mente, agilizamos nossos pensamentos.
O sábio homem de Nazaré lecionou, na parábola dos talentos essa profunda lição, narrando a diferença entre aqueles que utilizaram seus talentos e os multiplicaram e o que optou por enterrar o seu, vindo a perdê-lo.
Por isso é que, por vezes, desacostumados a ler, a estudar, vamos registrando deficiência gradual da memória, como se nossa capacidade fosse enferrujando.
É assim que o trabalho, essa ocupação útil, faz tanto bem ao corpo e à alma.
Na forja da atividade física ou intelectual, aprimoramos corpo e mente, ampliamos possibilidades, crescemos em capacidades.
Dessa forma, o convite se faz para a leitura, o estudo, a pesquisa, a atividade física, como meios de nos mantermos saudáveis, de corpo e alma.
Redação do Momento Espírita, com base no cap.
A navalha, do livro Fábulas e lendas, de Leonardoda Vinci, ed. Salamandra.